domingo, 12 de setembro de 2010

Capitalismo 4.0


por Martim Avillez Figueiredo no Expresso

Sócrates e Passos Coelho estão a perder tempo nesta guerra entre mais Estado e menos Estado. O modelo novo, diz Kaletsky, é menos Estado e mais Estado ao mesmo tempo.



Anatole Kaletsky acaba de publicar um livro que parece feito de encomenda para os desafios portugueses. Kaletsky deve ter apenas uma vaga ideia do que pensam Sócrates e Passos Coelho - mas é como se escrevesse para eles. Na verdade, é como se dirigisse o livro ao país. Um grito de aviso: não alinhem na conversa simplificadora dos vossos líderes.
A ideia central do livro ("Capitalism 4.0", Julho 2010) explica que o futuro exige que se adote um paradoxo político - a construção de um modelo de Estado simultaneamente maior e menor do que aquele que comandou os destinos da política ocidental até aqui. Mais Estado e menos Estado. Assim mesmo. O ponto é simples: enquanto o Estado tem de intervir mais nas finanças públicas, dinâmica fiscal e macroeconomia, precisa de suavizar o seu papel na saúde, educação, reformas e apoios sociais. Parece aquela velha e fácil teoria liberal, mas não é. Olhe-se à luz do país.
José Sócrates, cansado da sua não maioria, concentrou energias na defesa do Estado social. Está certo. Numa crise desta dimensão, a ideia de que o Estado tem responsabilidades sobre os destinos e pode e deve atuar sobre a sorte de cada um parece inteiramente justificada. Pedro Passos Coelho, animado pelas sondagens, aposta tudo a sublinhar que mais gastos sociais vão fazer disparar impostos. Faz sentido. A crise deixou claro que os cofres públicos se alimentam de mais impostos ou mais dívida - pelo que é preciso cortar. Os dois lúcidos? Os dois ultrapassados, diria Kaletsky.
Primeiro: concentrar tudo nas virtudes da política social é como jogar cartas apostando todas as fichas em cada mão. Mais cedo ou mais tarde rebenta. Hoje, quase 5 milhões de portugueses dependem do Estado (funcionários públicos, pensionistas, etc.) e só a fatura social suga metade da receita total dos impostos. Metade. Mais cedo ou mais tarde rebenta.
Segundo: apostar no contrário - na ideia de que é preciso retirar do Estado em força - é equivalente a convidar pessoas para uma festa de metralhadora em punho: vai fugir tudo. A Europa habituou-se a um nível de bem-estar impermeável aos políticos - os eleitores sabem que venha quem vier, não lhes tira o que conquistaram.
Terceiro: perante este beco, Kaletsky recorda como este novo capitalismo vai exigir que o Estado encontre políticas fiscais agressivas, por um lado, dinâmicas macroeconómicas diferentes, por outro, e ainda modelos privados que substituam despesa pública. Mais Estado, menos Estado.
Sócrates e Passos Coelho, porém, falam no passado: um acomoda-se no discurso da esquerda social, o outro alavanca-se na lenga-lenga liberal. Não é esse o caminho. Kaletsky lembra: outro sistema fiscal é decisivo. O modelo progressivo (o europeu) é incompatível com o discurso em voga contra os ricos: sem mais ricos, a receita fiscal reduziria todos os dias. Portugal, como o novo capitalismo, precisa de política sem excesso de ideologia, desenhada para oferecer resultados, não índices programáticos. A política portuguesa precisa de fazer um upgrade. O software é o mesmo: capitalismo. Falta mudar da versão 3.0 para a 4.0. Sócrates ou Passos Coelho: quem faz upload primeiro?
Texto publicado na edição do Expresso de 4 de setembro de 2010

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