sábado, 9 de janeiro de 2010

Leitura recomendada


A Islândia, Portugal e os agiotas



por Ricardo Reis, Publicado em 09 de Janeiro de 2010  


Pensamos que se houver falência os anjos alemães ou a UE nos salvam. Os islandeses aprenderam em 2009 que não é bem assim


Esta semana, a Islândia esteve nas notícias por supostamente não ter pago as dívidas ao Reino Unido (RU). Embora a notícia fosse apresentada assim, a realidade é diferente. E relevante para Portugal.

Há pouco mais de um ano, o segundo maior banco islandês faliu. Este banco tinha vários balcões no RU. O depósito à ordem de um inglês num banco inglês está protegido por um fundo de garantia que reembolsa os depositantes até uma certa quantia em caso de insolvência. É assim também para um cidadão europeu em qualquer banco europeu. Mas os bancos islandeses não tinham aberto uma filial no RU com licença bancária aprovada e supervisão financeira, por isso não estavam cobertos pelo fundo de garantia inglês. Embora esta informação fosse pública, a maior parte dos depositantes ingleses ou não sabia, ou não se preocupou com isso. Na melhor das hipóteses (embora duvidosa legalmente), estavam cobertos pelo fundo de garantia islandês.

Motivado pelas dezenas de milhares de ingleses com depósitos em risco, e empenhado em evitar outro escândalo depois do do Northern Rock, o governo inglês decidiu pagar aos depositantes com o seu fundo de garantia. Depois apresentou a factura à Islândia: 3,8 mil milhões de euros, um terço do PIB da ilha.

Os islandeses, a braços com uma enorme crise, e com o seu fundo de garantia esgotado pelos pagamentos aos depositantes legítimos na Islândia, recusaram. Nessa altura os ingleses aplicaram leis antiterroristas para bloquear bens islandeses no RU e impediram qualquer ajuda da UE ou do FMI à Islândia. Pressionado por esta quase extorsão dos ingleses, o governo islandês aceitou, no início de 2009, pagar num prazo de dez anos. Conseguiu assim desbloquear empréstimos do FMI e dos países nórdicos, essenciais para dar um balão de oxigénio à sua economia.

Apesar de forte oposição, o parlamento islandês aprovou o acordo a semana passada. Porém, uma petição com a assinatura de 20% da população do país levou o presidente a usar o seu veto para levar a questão a referendo. A opinião pública islandesa exige, no mínimo, que a quantia a pagar seja condicionada pelo crescimento económico na ilha. Muitos recusam simplesmente esta dívida duvidosa imposta pelos ingleses. O RU respondeu conseguindo que o empréstimo dos países nórdicos fosse novamente bloqueado e usando a UE como capanga para ameaçar a Islândia de 1001 formas.

Portugal está muito longe desta situação, mas no último mês, quando se discutiu o risco remoto de falência do nosso país, houve quem afirmasse com ligeireza que não havia problema, pois os anjos alemães ou a UE nos salvariam. Os islandeses aprenderam em 2009 que, nestas ajudas internacionais, em vez do anjo, a imagem mais apropriada é a do agiota mafioso da vizinhança.

Professor de Economia, 

Universidade de Columbia 



Fonte: i

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