sábado, 2 de janeiro de 2010

Gostava de ter escrito este texto


Chegou o momento

Portugal pode aprender muito com um livro de banda desenhada escrito em 1960. É um livro com heróis, claro. Mas que acredita: basta arriscar no presente para sair da crise

Existe a convicção, mais ou menos silenciosa, de que estes tempos difíceis se devem, sobretudo, a excessos do sistema financeiro. Não fosse isso, comenta-se, o mundo seria mais parecido com o que sempre foi. É nisso que apostam, de resto, grande parte dos esforços de regulação - tentar repor bons velhos tempos. Será mesmo esse o problema?

Pode fazer Zoom a estas dúvidas a partir da página 14, onde dez cérebros nacionais tentam resolver parte da equação. E pode seguir estas linhas para ver banda desenhada. "Blake & Mortimer, Armadilha Diabólica" foi escrito e desenhado em 1962, mas parece guardar respostas para este problema. Não é brincadeira, é assunto sério. Está tudo nos primeiros quatro quadradinhos da aventura: o Capitão Blake, de cachimbo em punho, lê civilizadamente o jornal na sala de fumo do hotel Louvois, em Paris. Apesar da concentração, não evita ouvir a conversa dos dois cavalheiros do lado. Queixam-se: "Ah, vivemos uma época... o mundo parece estar louco. Os nossos antepassados eram mais sensatos. Bons tempos." Sem nunca retirar o cachimbo, Blake atira: "Passado, futuro, quem sabe se os bons tempos com que anseiam não serão, simplesmente, o tempo presente, gentlemen!"

Não há nada de estruturalmente errado no presente que justifique olhar o passado ou sonhar continuamente com o futuro. Existe uma única receita para fazer melhor: acreditar que agora, e só agora, existe a oportunidade. Reparem no exemplo de Mortimer no mesmo livro: à sua frente está uma máquina que lhe foi deixada por um inimigo: Miloch, e que lhe promete viajar no tempo. Tudo se conjuga para que o Professor saia dali. Mas ele diz, enquanto veste um fato de macaco: "Tanto pior, vou correr o risco." Já se sabe: os portugueses temem o risco. Mas temem mesmo?

Quando o Infante D. Henrique nasceu, terceiro filho do rei D. João I, sabia que todos os dados jogavam contra si. Como acontece com Portugal no mundo, também ali o sistema familiar não o comparava aos outros. Mas ele foi para Sagres e criou uma escola, chamando os mais talentosos desenhadores de cartas marítimas, matemáticos e geógrafos dessa Europa. Escreve hoje o "Dicionário das Descobertas": "O espírito de realização e competência do Infante estimulou a autoconfiança, que foi o primeiro passo para a expansão portuguesa."

Já todos conhecem os problemas nacionais. Uma economia que precisa de se reestruturar (e que por isso só pode gerar mais desemprego, por mais que custe), um sistema político que necessita de líderes para o presente e um modelo educativo que ainda forma gente para o passado. O caminho está na autoconfiança. Não é fórmula fácil, de livrinhos de auto-ajuda. É assim mesmo, mais fácil do que parece.

Lia-se no i de quinta-feira, que Thatcher escrevia sempre nos primeiros documentos que recebia do seu gabinete "Não chega." É isso mesmo: não chega. Portugal tem tudo o que precisa para sair da crise. Conhece bem os seus problemas estruturais, está solidamente enquadrado em instituições internacionais e tem o que nenhum outro país oferece: portugueses. Chegou o nosso momento.

por Martim Avillez Figueiredo, Publicado em 02 de Janeiro de 2010

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