sábado, 10 de julho de 2010

O Crime perfeito


A intervenção de Sócrates no negócio entre a PT e a Telefónica foi um sucesso... para Sócrates. Mostrou quem manda. Manda na PT, na Caixa, manda em tudo o que antes negava. Nós, o povo, delirámos. E assim se legitima o que antes era escândalo. Amemos o polvo.
Sobre a "golden share" já se disse o que havia a dizer. O País parece entender que o Governo escreveu direito por linhas tortas e que, como outros assim fazem, que se danem os tribunais. Sobretudo sendo espanhóis e arrogantes, como foi a Telefónica. Investidores? Accionistas? Privados? Mercados? Abrenúncio! E na alucinação colectiva em que mergulhámos, quem discorda preenche quota na corja de ultraliberais. Incluindo os pequenos investidores, ignorados ou esconjurados. 

É preciso reconhecer mérito ao primeiro-ministro. Não pelo acerto mas pela força. Numa semana ajoelhou todos, Telefónica, Banco Espírito Santo, Ongoing, administradores e políticos. Vingativo e manipulador como sempre, Sócrates foi no entanto inabalável como não se via desde o início da sua governação. Onde andou este primeiro-ministro nos últimos anos? A cultivar defeitos enterrando qualidades. 

Assim acaba a primeira parte deste jogo de telecomunicações, num armistício para negociar. Os accionistas perderam um grande negócio mas a PT não amputou o braço direito. E todos ficámos a perceber que quem decide é o Governo. 

Ficou tudo às claras: o Governo dá ordens à Caixa Geral de Depósitos e não aceita que se façam negócios sem ser ouvido e sem anuir ou mesmo encorajar. Estivemos anos a ouvir o contrário. Que não, que as empresas decidem autonomamente; que falar de intervenção estatal era insulto; que a Caixa competia no mercado com os outros. 


Quem é que hoje acredita que a TVI esteve para ser comprada pela PT sem o conhecimento, aprovação e até motivação do Governo? Quem pode hoje sonhar que na OPA da Sonae o Governo foi mesmo neutro? Quem pode crer que o financiamento galopante e suicida que a Caixa fez àqueles que se consumiram no BCP (Berardo, Fino e outros) não teve o pulso ou o impulso do PS? E que a não execução destes capitalistas falidos foi isenta? Quem põe as mãos no fogo pela nomeação de dezenas de "boys", tachos e incompetentes infiltrados nestas empresas? Quem acredita nos negócios na Taguspark, no pequeno-almoço de Figo, nos amores à primeira vista com a JP Sá Couto, nas adjudicações sem concurso, na convocatória da EDP para a Qimonda Solar, na coincidência do ex-assessor do secretário de Estado das Scut que passa a vender chips ao Estado? Quem se fia em todos os investimentos e créditos perdulários da Caixa em antros de pirataria como a La Seda? Nos dinheiros de fundos públicos para a Aerosoles, nos patrocínios compulsivos de "empresas estratégicas" no Red Bull Air Race, que acaba de nos mandar passear? Quem ainda acredita que a Caixa não está a reforçar-se como testa--de-ferro da "golden share" da PT, nas nomeações na Cimpor, como antes no BCP, nas entradas accionistas na Galp, Quem? 


O Estado é maior que o Governo, que é maior que o partido. Em Portugal, contudo, o sentido é o inverso. Temos ministros da Economia que são directores comerciais e primeiros-ministros "chairman". Com a nacionalização temporária da PT para o Verão, que incluiu ordens à Caixa, acabou-se o cinismo. E, para gáudio, a massa que antes apupava estes tentáculos enleva-se agora neles. Um dia, o interesse nacional será não o das grandes empresas e dos Governos, mas o dos consumidores e o dos contribuintes. Um dia, um dia...

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