sábado, 27 de fevereiro de 2010

Estados querem televisões


por Martim Avillez Figueiredo, Publicado em 27 de Fevereiro de 2010 


Os Estados preferem ter mão nas televisões, mais que nos jornais. A revelação é feita por um estudo que olhou 97 países e revela os impactos terríveis deste caminho. Veja ao lado o estudo de Simeon Bjankov que aponta para estas conclusões

Simeon Djankov é ministro das Finanças da Bulgária e conhece vagamente a difícil situação financeira de Portugal - mas Djankov pode ajudar muito pouco aí: a Bulgária viu as suas receitas fiscais baixarem 11% e a economia cair mais de 2% em 2009. Onde este economista, um dos 100 mais citados do mundo apesar de ter apenas 40 anos, pode ajudar o país é nesta terrível trapalhada sobre o controlo da imprensa nacional.

Djankov analisou com rigor obsessivo a imprensa de 97 países e chegou à conclusão que quem detém jornais e televisões são o Estado e as famílias privadas. E revela: o Estado prefere sempre as televisões. Em números, famílias privadas detêm 57% de jornais e 34% de estações de televisão. Já os Estados, detêm 29% dos jornais e 60% das televisões. A guerra em Portugal, como se sabe, envolvia a televisão que lidera as audiências (TVI). Mas isto tudo, sublinha Djankov, pode até parecer óbvio a toda a gente. O que não é evidente antes do seu estudo é que esta posse da comunicação pelo Estado tem influências fortes nos resultados económicos de um país, nos níveis de corrupção e no bem-estar social, sobretudo nos níveis de educação e saúde.

Em Portugal, como se sabe, o Estado detém um canal de televisão e uma agência de notícias. Já os jornais portugueses são detidos, como o estudo prova, por famílias (por oposição a capital disperso por pequenos accionistas). O que todas estas comissões de ética - e pedidos de comissão parlamentar - revelam é que a liberdade de imprensa funciona por cá: ou pelo menos revela que as alegadas tentativas para limitar essa autonomia não foram suficientes para impedir a revelação da notícia do i, em Julho, dando conta do interesse da PT na TVI, e agora na publicação das escutas pelo semanário "Sol". O que os estudos de Djankov ajudam a perceber é que o assunto merece toda esta discussão e toda esta atenção, tanto na Assembleia da República como junto dos reguladores e da opinião pública. Não é brincadeira.

Lenin, esse mesmo, perguntava na sua União Soviética "a quem servia a liberdade de imprensa". A sua tese era simples: se a informação é um bem público, tem de ser garantido pelo Estado - como o subsídio de desemprego, por exemplo. De outra forma, pensava Lenin, essa garantia da informação para todos ficaria nas mãos dos privados: e estes podiam não cumprir. O que Djankov revela é que Lenin estava errado (sim, agora é evidente) e vai ainda mais longe: os países onde o Estado detém mais jornais e televisões apresentam piores resultados na educação, uma esperança de vida menor, má nutrição e uma maior mortalidade infantil.

A estatística raramente vale mais do aquilo que pode: números, tendências, padrões. Mas ajuda a entender a relevância de uma discussão, e a contrariar o que disse Francisco Assis, qualquer coisa como: "Nada indica que a liberdade de imprensa está em risco." Não é preciso que esteja: os efeitos negativos desta tendência começam muito antes. E é por isso que este assunto não pode ficar por aqui.

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