sábado, 6 de fevereiro de 2010

Leitura recomendada


A expansão fiscal portuguesa

por Ricardo Reis, Publicado em 06 de Fevereiro de 2010

O tempo que os políticos portugueses levam a tomar decisões é um problema. Num mundo global, dois meses fazem toda a diferença

Antes da crise havia algum consenso em que a melhor arma para combater recessões era a política monetária. A política fiscal enfrenta três problemas. Primeiro, enquanto o banco central pode mexer nas taxas de juro num instante, os parlamentos demoram meses em debates. Segundo, enquanto as mudanças nas taxas de juro afectam os custos de financiamento das empresas e pessoas no espaço de poucos dias, o tempo de execução da política fiscal é de meses ou anos. Demora tempo encontrar projectos úteis onde gastar o dinheiro público, e demora mais tempo preparar estudos e planear a sua execução. Terceiro, enquanto sobre o efeito da política monetária na economia existem algumas estimativas razoáveis, o conhecimento dos efeitos das expansões fiscais é bastante limitado.

A crise financeira teve dois efeitos neste consenso. Por um lado, a política monetária foi esticada ao seu limite de taxas de juro a zero. Por outro lado, o receio de uma recessão profunda levou a que muitos países arriscassem uma expansão fiscal apesar dos seus problemas.

Só saberemos daqui a uns anos se estas medidas de combate ao desemprego foram eficazes. Em relação aos dois outros problemas, as experiências foram diversas. Nos EUA, a urgência da crise e o efeito Obama levou à aprovação de medidas ao fim de poucos meses. Em Portugal, apesar do empenho do governo durante 2009 na expansão fiscal, as eleições, o governo de minoria e um debate político crispado levaram a que se passasse mais de um ano em discussões.

Quanto ao segundo problema, nos EUA, George Bush baixou os impostos enviando cheques às famílias com as devoluções do IRS. Só demorou uns meses a preparar, e o dinheiro foi directamente para o bolso das pessoas. Já Barack Obama, quando chegou ao poder, encontrou uma série de projectos prontos para arrancar. O Estado frugal americano tinha muitos projectos úteis e bem estudados, mas aos quais faltava o financiamento, que o pacote fiscal anticrise providenciou. O Estado português, gordo e despesista há décadas, só conseguiu apresentar meia dúzia de projectos onde parecia valer a pena gastar dinheiro público.

A experiência portuguesa revelou um novo problema com as expansões fiscais. Quando a 12 e a 23 de Dezembro escrevi no i um ensaio de alerta acerca dos sinais assustadores que vinham dos mercados da dívida pública, as reacções foram da estupefacção ("Que susto!", escrevia o editorial do i) às acusações de catastrofismo com motivos dúbios. Umas semanas depois, em meados de Janeiro, Portugal era presença constante (pela negativa) nas páginas do "Financial Times", e até da União Europeia têm vindo ameaças. Quando chegámos ao Orçamento para 2010, o défice já era a nova prioridade. Hoje a expansão fiscal é uma memória distante. Que diferença fazem dois meses...

Professor de Economia, Universidade de Columbia 
Fonte: i

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