quinta-feira, 4 de março de 2010

Leitura recomendada


A mão de Balsemão




por Martim Avillez Figueiredo, Publicado em 04 de Março de 2010
O antigo primeiro-ministro de Portugal e accionista maioritário da Impresa falou claramente sobre a alegada tentativa política de controlo dos media. E que bem falou Balsemão


Francisco Balsemão foi primeiro-ministro de Portugal e deixou saudades ontem na sua prestação na comissão de Ética. Disse: "Quem lê, vê e ouve meios de comunicação social distingue muito bem o que é bom e o que é mau." E acrescentou: "No excesso de leis e regulamentos sobre os jornais, nas preocupações excessivas com conteúdos, nos apoios que concedeu a alguns grupos, existe um esquema de cerco deste governo à comunicação social."

James M. Buchanan venceu o Prémio Nobel em 1986 por falar assim, com clareza. Disse num livrinho de pouco mais de 100 páginas que se tornou uma bíblia: "Se a acção do Estado fosse tal que servisse sempre os interesses de todos os envolvidos na sociedade, nenhum incentivo sobraria para que existissem pequenos grupos de pessoas envolvidos na perseguição de interesses individuais." Sucede que não é assim - e a acção concertada de algumas pessoas, olhando apenas os seus benefícios privados, produz de facto vantagens: é isso que por sua vez leva outros grupos de pessoas a procurarem a satisfação dos seus interesses particulares.

Portugal vive ligado nas últimas semanas a esta incrível trapalhada que envolve membros do governo, ex-administradores da Portugal Telecom, deputados pouco preparados para a sua missão na comissão de Ética e jornalistas mais patrões de media a responder de acordo com a sua eficácia individual. Os resultados de todo este trabalho - e atenção - têm sido quase nulos. Diz o mesmo Buchanan: "Não existem organizações sociais que, garantindo liberdade de escolha, consigam impedir o homem (alguns ou todos os homens) de se organizarem em grupos para explorar outros homens." O último relatório de corrupção publicado pela Interpol (2006) explica que é no sistema legal e no complexo modelo universal de saúde que mais corrupção existe em todos os países. Percebe-se: é justamente nessas complexas teias de burocracia criadas pelos governos que mais espaço se abre para aproveitamentos ilícitos. Os jornais não fogem a qualquer dessas regras: existem grupos que os têm para se aproveitar dos outros homens e outros que os financiam para informar todos os homens. É esta a lei da vida.

O que não permite dúvidas é aquilo que Balsemão sublinhou na sua prestação ontem na comissão de Ética: o governo desejava de facto tornar mais complexo um sector que informa os homens. Pode até não ser maldade premeditada - mas existe. E o que fica por explicar - e por isso estas comissões pouco podem - é a que ponto o primeiro-ministro estava empenhado nesta tarefa. Não de calar a informação: não pode. Mas de lhe complicar a vida. Tudo o resto são detalhes - como são detalhes o que disse ontem Moura Guedes na mesma comissão. Ou percepções pessoais, manias de perseguição, fantasmas. Sobra o que disse Balsemão, que resume bem o que pode ser o fim desta história: os leitores exercerem o seu importante papel social (premiando através da compra os meios com independência e rigor) e o governo (tem de ser o governo) esclarecer de uma vez o seu papel.



Fonte:i

Nenhum comentário:

Postar um comentário