domingo, 7 de março de 2010

Terramotos e instituições


por Ricardo Reis, Publicado em 06 de Março de 2010   
O número de vítimas de grandes catástrofes naturais está sempre associado ao grau de desenvolvimento económico e social dos países


A 12 de Janeiro, o Haiti sofreu um terramoto de magnitude 7,0, seguido de 52 réplicas de magnitude acima de 4,5 nas duas semanas seguintes. A 27 de Fevereiro, o Chile sofreu um terramoto de magnitude 8,8, seguido de 120 réplicas só na última semana. O sismo no Haiti destruiu cerca de 280 mil edifícios; o sismo no Chile danificou cerca de 300 mil. Olhando para estes números, tente adivinhar: qual dos dois países teve maior número de vítimas?
No Chile, a contagem oficial ia ontem em 279 mortos. No Haiti já morreram mais de 200 mil pessoas. Uma parte desta diferença abissal pode porventura ser explicada pela diferente geografia e densidade populacional dos dois países. Mas grande parte deve-se sem dúvida às diferenças no sistema económico e político dos dois países.

O Chile é o país mais rico da América do Sul, enquanto o Haiti é dos países mais pobres do mundo. O PIB per capita chileno é cerca de dez vezes maior que o do Haiti, e o haitiano médio tem menos esperança de vida, piores hospitais e casas menos seguras que o chileno médio. Embora os homens não sejam responsáveis pelos sismos, a capacidade de atenuar os estragos a auxiliar os feridos é bem diferente nos dois países.
Esta diferença nem sempre foi tão grande. Há algumas décadas o Chile era um país muito pobre. Quando há pouco mais de 30 anos o Chile abraçou o capitalismo e a economia de mercado, eram as teorias marxistas que estavam na moda. Enquanto o Chile lentamente e passo a passo estabeleceu um sistema político estável, democrático e liberal, os outros países da América Latina faziam experiências comunistas e criavam estados omnipresentes na actividade económica comandados por governos que só duravam alguns meses. Embora o Chile ainda esteja longe do nível de riqueza português ou da maturidade da nossa democracia, a resposta das suas instituições à crise tem sido bem organizada e eficaz.
O Haiti, em contrapartida, tem uma história recente de instabilidade política, golpes de estado e instituições em descrédito. Tiveram de ser as agências internacionais a tomar conta da resposta ao terramoto e não existe capacidade local para dar o mínimo apoio na identificação do território. Numa entrevista recente, um responsável pela ajuda humanitária observava que era mais difícil dar ajuda no Haiti que no Iraque.
Portugal atravessa uma crise económica em simultâneo com um crescente descrédito dos órgãos judiciais e políticos. Os radicais à direita já começam a pedir uma mão forte para pôr a casa em ordem, enquanto da extrema-esquerda vêm exigências assustadoras de nacionalizações e mais Estado. É este o nosso terramoto; esperemos que as nossas instituições estejam à altura.

Professor de Economia, Universidade de Columbia

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