quarta-feira, 24 de março de 2010

A solução final. Obrigado Keynes

por André Macedo, Publicado em 24 de Março de 2010


No dia em que os pilotos da TAP desistiram da greve, falemos de outra companhia aérea falida. E de como o futuro está escrito nos céus


No início deste mês, o Japão inaugurou o seu 98.o aeroporto, o Shizuoka Fuji, ao pé da célebre montanha. Dois meses antes, a Japan Airlines (JAL), a companhia de bandeira famosa pelo magnífico sushi a bordo e pelas hospedeiras de sonho, declarou bancarrota. Alguma relação entre o primeiro e o segundo facto? Claro: a JAL era uma espécie de samurai falido há já muitos anos, mas foi a crise - menos pessoas a viajar, menos transporte de carga nos gigantes 747 - a decretar o golpe de misericórdia numa empresa que já estava moribunda.

Mas antes desta última gota envenenada - a crise mundial ? que tem levado à falência companhias aéreas em todo o mundo, outro detalhe ajudou a multiplicar as probabilidades de falência da JAL: a quantidade absurda de aeroportos construídos por todo o país. Estes 98 elefantes brancos funcionaram como uma espécie de tsunami para a companhia aérea. Forçada a voar para estas rotas por sucessivos governos paternalistas, um terço dos voos internos da JAL tinha uma taxa de ocupação inferior a 50%. E apenas 11 destas 151 rotas preenchia 70% dos lugares - o número mágico que separa o lucro do prejuízo.

Apesar desta evidência, a JAL nunca conseguiu travar a viagem fatal para a tragédia. E não conseguiu porquê?

A resposta está, como sempre, no pior lado da política. Os sucessivos governos japoneses, pressionados por uma economia deflacionária desde os anos 90, agarraram-se às teorias de Keynes para tentar ressuscitar o país. Construir aeroportos e outras obras públicas mirabolantes foi - hélas! - o caminho escolhido. Afinal, Keynes recomendava que, em caso de necessidade, os estados até abrissem e fechassem buracos para estimular a economia. O Japão cumpriu à letra - e fez aeroportos que se revelaram autênticas crateras para as empresas envolvidas na gestão dos espaços e para as companhias aéreas forçadas a voar para sítios inúteis.

A lição é evidente: obras públicas faraónicas são um falso remédio. A prazo tornam-se sempre um cadafalso para as empresas envolvidas - ganham no imediato, perdem a prazo se as tiverem de gerir - e para os cofres públicos obrigados a subsidiá-las eternamente. No meio do desespero podem parecer uma solução genial, mas demasiadas vezes convertem-se em solução final para os contribuintes, financiadores passivos destes disparates patrióticos.

A JAL é apenas uma metáfora das muitas do género que há por esse mundo fora, mas apesar do alto risco destas políticas públicas, os governos insistem em apostar nas miragens do betão. Comboios de alta velocidade deficitários e outras infra-estruturas ineficientes são pedras que conduzem ao fundo, não ao esplendoroso nirvana económico.

O tempo que vivemos é de grandes escolhas. Optar pelo TVG, pela terceira ponte sobre o Tejo ou por um novo aeroporto será apenas a via rápida para a falência. Seria bom que, desta vez, Sócrates não fosse Sócrates. Aqui - e só aqui - ele deveria ser Ferreira Leite.



Fonte: i

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